Os cerca de 17 mil bovinos existentes na Ilha do Pico são assistidos por uma única veterinária que, com apenas 27 anos, deixou de ter vida pessoal, mas confessa-se “feliz e realizada”.
É sábado, são 07:00 e o telemóvel pessoal de Catarina Manito já tocou cinco vezes. As solicitações feitas de cinco freguesias da ilha obrigam a veterinária a sair de casa sem tomar o pequeno-almoço. Uma das chamadas, feita pelo senhor Manuel das Bandeiras, repete-se a cada quinze minutos que passam. Uma vaca com febre alta debilitada fisicamente é a razão pela qual Catarina acelera na estrada.
Nessa manhã, a veterinária percorreu cerca de 200 quilómetros em apenas quatro horas, assistiu cinco vacas, dois vitelos e um porco - espécie que também assiste -, mas afirma já ter feito mais de 400 quilómetros num só dia.
Não tem horas para comer e nunca adormece com o telemóvel em silêncio. Trabalha de dia e de noite, “faça chuva ou faça sol”. “Há dias que passo horas ao volante, o que me cansa mais do que trabalhar directamente com os animais”, lamentou a jovem que vive no concelho da Madalena, a 52 quilómetros da outra ponta da ilha, Piedade.
É de salientar os percursos do Pico, estradas bastante irregulares com um limite de velocidade de 50 quilómetros por hora e acessos sem alcatrão que dificultam a veterinária quando é solicitada para uma urgência.
Das seis veterinárias existentes na ilha, apenas duas são especializadas para assistir bovinos, cerca de 17 mil numa ilha que tem apenas 15 mil habitantes.
Catarina trabalha para a Associação de Agricultores do Pico e há cerca de seis meses que está sozinha a responder a todas as solicitações feitas diariamente, visto ter a sua colega grávida, não podendo deste modo estar em contacto com animais “por vezes traiçoeiros”.
Natural de Santarém, Catarina Manito foi para o Pico com 6 meses de idade, considerando-se, assim, uma “verdadeira picarota”. Com o curso de Medicina Veterinária concluído em Évora, a jovem regressou à ilha após dois anos de estágio, realizado em várias terras de Portugal. A oportunidade “única” de estagiar durante três meses nos Estados Unidos da América foi a “melhor experiência” da vida da veterinária, que não esquece a família “humilde” que a acolheu no estado da Pensilvânia, apesar de ter sido “muito difícil inicialmente”.
A veterinária confessa sentir-se “feliz e realizada” com o trabalho que tem efectuado no Pico, apesar de ser “muito cansativo e desgastante fisicamente”. “Já cheguei a receber 30 a 40 chamadas por dia e dar a volta à ilha inúmeras vezes”, disse, lamentando o facto de não ter tempo para descansar e de sentir “falta de tédio”. “Só tenho folga quando o telemóvel não toca, o que é muito raro acontecer”, declarou, relembrando as duas semanas que teve de férias em Agosto na Tunísia, onde optou por desligar o telemóvel por estar “constantemente” a receber chamadas do Pico.
Entre consultas de rotina, vacinação, observações e muitas outras solicitações, são as cesarianas problemáticas a grande prioridade da jovem veterinária, que ajuda cerca de 15 a 20 vacas por mês a qualquer hora do dia ou da noite e em qualquer local da ilha. “Aflige-me saber que por vezes não posso assistir todos os animais quando as pessoas me solicitam de uma ponta da ilha e eu estou na outra ponta”, lamentou a jovem, confessando que vive em “constante preocupação”.
Apesar de arriscar a vida “muitas vezes”, quando se depara com animais “mais agressivos”, e das “habituais nódoas negras” a que está sujeita, Catarina Manito deseja continuar a viver e a trabalhar no Pico, pois foi a ilha que a viu crescer e é nela que se sente bem.
Filipa Rosa - Agência Lusa - Janeiro 2009
A RTP/Açores fez uma reportagem televisiva com base nesta peça.
Sem comentários:
Enviar um comentário