Um cozinheiro dos Açores conseguiu expandir a gastronomia açoriana no Iraque, onde esteve durante cinco anos a servir os iraquianos e onde cativou Saddam Hussein com alguns dos pratos típicos da região.
Natural da Ilha de São Jorge, Armando Sequeira, 69 anos, contou à Lusa a “experiência mais marcante” da sua vida, quando esteve a trabalhar no Iraque como chefe de cozinha. “Quando surgiu a oportunidade de trabalhar no Iraque foi uma decisão fácil, pois sendo solteiro e sem filhos, não tive de dar contas a ninguém”, disse, relembrando a angústia dos seus pais ao vê-lo partir nos anos 80. “Foi difícil para os meus pais, sobretudo quando começou a guerra entre o Iraque e o Irão, mas nós não nos apercebíamos muito do perigo”, contou.
A língua foi o único factor que dificultou a integração no Iraque deste cozinheiro que, aos 42 anos de idade, conheceu de perto a cultura árabe que considera “fascinante” num país onde era visto como “um menino bonito” e onde foi “sempre muito bem tratado e respeitado”.
Os hábitos que Armando tinha em Portugal na cozinha não eram admitidos no Iraque e quando lá chegou e se pôs a limpar o fogão e a lavar a loiça, deixou “os árabes de braços caídos, pois um chefe de cozinha não faz essas tarefas”.
As sopas de galinha, carne e fígado de carneiro e o cozido dos Açores eram alguns dos pratos típicos açorianos muito apreciados pelos iraquianos e pelo ex-presidente Saddam Hussein. Armando serviu várias refeições no palácio de Saddam, mas residia numa casa situada a 500 metros do povoamento destinada à recepção de visitas, como ministros e jornalistas estrangeiros, que muitas vezes pediam para conhecer o chefe de cozinha depois de provarem as suas especialidades. “Era constantemente vigiado mas nunca me fez confusão, pois nunca tive qualquer problema com o povo iraquiano”, afirmou. Segundo o chefe de cozinha, o ex-presidente iraquiano comia de tudo menos carne de porco, mas de resto, “tudo o que lhe metia à frente ele comia”.
Questionado acerca daquele que era considerado por muitos um “tirano”, Armando refere Saddam Hussein como “o homem do povo que impunha respeito e autoridade”. Mas prefere não falar muito sobre Saddam: “As pessoas tinham muita confiança em mim e eu prometi que não contaria nada do que se passava lá. Continuo remetido ao meu silêncio, pois não sei se ainda sou vigiado ou não, apesar de o homem ter morrido”.
Armando Sequeira ainda guarda uma pequena foto de Saddam Hussein que usava constantemente pregada na gola do casaco ou ao peito. “Os árabes ficavam todos contentes por usar aquilo e por não ter vergonha de usar o seu presidente ao peito, mas aquela imagem era como uma defesa”, confessou o cozinheiro, exemplificando com o facto de no aeroporto passar com mais facilidade.
A morte de Saddam foi “a coisa mais dolorosa” que Armando diz já ter visto, pois “uma pessoa que dormia em lençóis de seda e tinha o quarto de banho todo em ouro não merecia ter acabado num buraco daquela maneira”.
“Impressionante”, diz, era o facto de as mulheres iraquianas quererem libertar-se de todos os véus que as envolviam.
Espanha, França e Suíça foram outros dos destinos deste cozinheiro que confessa ser um aventureiro com mais de 40 anos de carreira.
Apesar de Armando Sequeira nunca se ter arrependido da decisão que tomou de ir para o Iraque, onde viveu “emoções fortes”, nunca mais regressou mesmo depois de ter sido convidado através de uma carta a voltar a trabalhar naquele país como chefe de cozinha.
Apesar de se ter reformado da profissão de cozinheiro, o açoriano continua a cozinhar para a família e para os amigos.
“Amo aquilo que faço porque amo as pessoas”, concluiu.
Filipa Rosa - Agência Lusa - Abril 2009
Reportagem mais publicada de todo o meu percurso (Correio da Manhã, Diário de Notícias, Jornal de Notícias, Público, Global Notícias, 24 Horas, entre outros)
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